domingo, julho 15, 2012

O Dão de António Narciso e dos seus vinhos com sotaque

António Narciso é um enólogo discreto e pouco ou nada dado a mediatismos. O silêncio esconde o talento, mas a competência canta dos vinhos que trabalha. Tomou coragem e ontem organizou um jantar de divulgação dos vinhos de três clientes, no Gspot, em Sintra. António Narciso quis mostrar como é possível um mesmo enólogo, numa mesma região, fazer vinhos diferentes. Conseguiu.
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O tema foi o dos vinhos com sotaque, ou seja Quinta das Marias (Peter Eckert), Fonte do Gonçalvinho (Casimir e Christelle da Silva) e Quinta Mendes Pereira (Raquel Mendes Pereira). O primeiro carrega no alemão suíço (não esteve presente), os segundos no requintado francês e a terceira no ritmado brasileiro.
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À entrada um Fonte de Gonçalvinho Touriga Nacional / Aragonês Rosé 2010, vinho escorregadio e suave, sem o aborrecido xarope ou concentrado de morango. Posto o começo, o mundo sentou-se à mesa, onde foram servidos dois vinhos para cada prato.
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Primeira parelha enquadrada com creme de ervilhas, vieira fumada e sapateira (umas malditas ovas fizeram-me passar o número). Quinta Mendes Pereira Encruzado 2010 e Quinta das Marias Encruzado 2010. O primeiro revelou no nariz erva seca, minério, mas também com carácter floral, muito fresco, e na boca assinalou doce, minério, com feliz acidez e profundidade; o segundo mais floral com nuances de mel e manteiga, na boca deu flores, metal e frescura.
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Segundo acto: garoupa assada, quinoa com tomate seco, morangos e poejo… para mim foram umas iscas. De um lado Quinta Mendes Pereira 2006, do outro Quinta Mendes Pereira Reserva 2007. Fiquei com a sensação que, à volta, a preferência foi para o 2006, mas escolhi o 2007. O QMP 2006, feito com touriga nacional, alfrocheiro e tinta roriz mostrou um casamento de flores de violeta com cerejas, é profundo e elegante, com grande acidez e longo final. O QMPR 2007, de touriga nacional e tinta roriz, é mais mineral, mais complexo, com violeta, cereja, menta e fumo, na boca é denso (não é gordo nem pesado nem corpanzudo), muito elegante, um pouco fumado, com final bem longo.
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Terceiro acto: Entrecosto com favinhas contra Fonte de Gonçalvinho Tinta Roriz 2010 e Fonte de Gonçalvinho Inconnu Reserva 2010. O primeiro revelou-se mais óbvio, embora complexo é mais fácil de perceber, com muita fruta vermelha, um pouco fármico (acho que a palavra não existia até agora), ameixa preta, ligeira trufa, na boca lenha de azinho e queimado do leite creme. O Inconnu mostrou-se menos óbvio, com tendência mineral, algumas notas de farmácia e menta, na boca madeira, chocolate preto (de 75% de cacau para cima), figo e castanhas. Este acabaria por fazer gastar muitas palavras, visto os produtores e o enólogo não revelarem o lote… António Narciso não gosta nada da casta jaen, mas ela está na vinha, será? Com o tempo viu-se um aproximar ao tinta roriz, mas com nuances de violeta, será touriga nacional e tinta roriz? A mim, o primeiro embate foi de sirah com evocação de touriga franca. Porém o enólogo disse rotundamente que não. Por uma questão de coerência reinadia, teimei. Ainda o tentei subornar, mas o homem não de descoseu.
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Quarto acto: arroz de pato e magret de pato fumado contra Quinta das Marias Touriga Nacional Reserva 2010 e Quinta das Marias Cuvée TT Reserva 2010. O primeiro muito abaixo de qualquer um dos vinhos servidos. António Narciso garantiu que tal se deve apenas a não estar pronto. Convence-me em parte e não teimo muito noutra parte. Convence-me porque está de facto pouco casado, não me convence por estar tão doce, mas tão doce, que me custa a acreditar que venha a atinar. Cedo, porque António Narciso sabe mais de vinho a dormir do que eu acordado e com cinco cafés. O Cuvée TT, leia-se touriga nacional e tinta roriz, pia mais fino. Mostra-se com ameixa preta, violetas, fumo suave, minério, cogumelos, na boca há doçura, mas também notas de granito, elegância e tem um belíssimo final.
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Quinto e último acto: bolo de alfarroba (e muito chocolate) com sorvete de framboesa, contra… o que se quisesse. Eu e parceiros à volta escolhemos o Inconnu e o Cuvée TT.
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Quanto ao vinho da noite a escolha é complicada, pois houve um vinho que foi muitíssimo mais comentado, devido ao «segredo», e outro que, talvez por ilustre elegância, se mostrou mais discreto. Direi que execuo ficaram o QMP Reserva 2007 e o Inconnu… porém, quase um dia depois a boca e pensamento escolhem o QMP. No terceiro lugar colocaria o Cuvée TT, embora com a mesma nota que o QMP 2006.
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A boda terminou com um Quinta Mendes Pereira Reserva 2005 que esteve soberbo.
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Fonte de Gonçalvinho Touriga Nacional / Aragonês Rosé 2010
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Origem: Dão
Produtor: Fonte de Gonçalvinho
Nota: 5/10
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Quinta Mendes Pereira Encruzado 2010
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Origem: Dão
Produtor: Quinta Mendes Pereira
Nota: 6/10
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Quinta das Marias Encruzado 2010
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Origem: Dão
Produtor: Quinta das Marias
Nota: 6,5/10
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Quinta Mendes Pereira 2006
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Origem: Dão
Produtor: Quinta Medes Pereira
Nota: 7,5/10
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Quinta Mendes Pereira Reserva 2007
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Origem: Dão
Produtor: Quintas Mendes Pereira
Nota: 8/10
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Fonte de Gonçalvinho Tinta Roriz 2010
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Origem: Dão
Produtor: Fonte de Gonçalvinho
Nota: 7,5/10
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Fonte de Gonçalvinho Inconnu Reserva 2010
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Origem: Dão
Produtor: Fonte de Gonçalvinho
Nota: 8/10
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Quinta das Marias Touriga Nacional Reserva 2010
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Origem: Dão
Produtor: Quinta das Marias
Nota: X/10
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Quinta das Marias Cuvée TT Reserva 2010
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Origem: Dão
Produtor: Quinta das Marias
Nota: 7,5/10

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