quinta-feira, fevereiro 22, 2007

O fresco Bucelas

Portugal é um país quente. Esta afirmação redonda tem duas leituras: que o país se presta mais para a produção de tintos e que no Verão as gargantas pedem muito por brancos leves. O Vinho de Bucelas, que é sempre e somente branco, tem uma cor citrina, aroma e sabor fruta e acidez.
No centro-sul do país, a região de Bucelas contraria a probabilidade e faz nascer um dos mais notáveis brancos portugueses, facto a que não será alheia a relativa proximidade do mar. Na verdade, o oceano Atlântico não se avistará de Bucelas, mas chega lá pelo vento. A essência deste vinho está na frieza do Inverno e na amplitude térmica do Verão, garantem os entendidos.
Não me lembro quando bebi o meu primeiro Bucelas, sendo certo que em minha casa sempre se preferiram mais os tintos do que os brancos. Não me recordo, pois, se foi por lá que o traguei. Contudo, sei que não passo um ano sem eles. Mal as temperaturas sobem e torna-se uma necessidade nos folguedos, a par do Vinho Verde. Porém, enquanto nos néctares nortenhos tenho tido algumas desilusões, nos Bucelas ainda não tive dissabores de maior.
A demarcação de Bucelas aconteceu em 1907. Porém, a fama já existia. O cultivo da vinha remontará ao temo dos Romanos. Passada, a costumeira origem sobre os vinhedos portugueses, há nota de que o marquês de Pombal se terá interessado pelas vinhas de Bucelas e lá terá mandado plantar bacelos renanos. Outros, mais nacionalistas, garantem que terão sido vides portugueses a ir povoar campos germânicos ainda no tempo dos cruzados, quando estes escalavam a costa lisboeta no regresso da Terra Santa. No tempo de William Shakespeare era já exportado para Inglaterra, onde seria conhecido por «Charneco». Contudo, a fama maior e mais duradoura terá surgido com o desembarque das tropas britânicas que vieram bater-se contra os exércitos napoleónicos. Consta que o duque de Wellington o apreciava de tal modo que o terá levado de presente ao Rei Jorge III, ficando celebrizado por «Lisbon Hock» (Hock, termo que os britânicos atribuem a qualquer vinho branco do Reno) e tendo-se tornado habitual na corte. Eça de Queiroz terá sido também um seu apreciador e a ele se referiu em «A Relíquia».
O Vinho de Bucelas apenas pode ser branco, produzido a partir das castas arinto (75% do encepamento), esgana-cão e rabo-de-ovelha. A delimitação geográfica é a freguesia de Bucelas e parte das freguesias de Fanhões (Fanhões, Ribas de Cima, Ribas de Baixo, Barras e Cocho) e de Santo Antão do Tojal (Pintéus, Meijoeira e Arneiro), tudo lugares do concelho de Loures. Actualmente, além do vinho branco tranquilo podem fazer-se espumantes e colheita-tardias, duas inovações recentes e cuja ousadia foi de António João Paneiro Pinto da Quinta do Chão do Prado.
Para 2008 está marcada a abertura dum Museu do Vinho de Bucelas, a cargo da Câmara Municipal de Loures. Encontrei notícia de que irá custar dois milhões de euros, de que terá uma biblioteca e loja de vinhos, mas não onde irá situar-se. Paciência...
Felizmente a Área Metropolitana de Lisboa não é elástica e o concelho de Loures é grande o suficiente para ainda ter espaços rurais, pelo que ainda há espaço bastante para quintas, vinhas e bom vinho. Valha-nos isso!

Nota: Fotografia retirada do sítio da Quinta do Chão do Prado.

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