quarta-feira, janeiro 10, 2007

O melhor vinho do mundo

Quando se conversa com um produtor de vinho tem-se muitas vezes a sensação de se estar perante alguém que faz o melhor ou um dos melhores vinhos do país ou mesmo do mundo. É natural e vai muito mais além do aforismo que diz que «presunção e água benta cada um toma a que quer».
Há claro casos de presunção, mas também muitos de autenticidade ingénua. Isto, porque o vinho é um produto agrícola diferente dos outros. Os latinos chamavam de agricultura inteligente à praticada no Mediterrâneo, pois obrigava a pensamento e transformação: o pão, o azeite e o vinho. É nestes factores de pensamento e transformação que reside uma grande parte do convencimento da qualidade do vinho, pois nele se joga a sabedoria do seu criador e se espelha o seu gosto e empenho.
Um dia, conversando com um lavrador duma região vitivinícola portuguesa pouco conceituada, lancei uma provocação:
- Então, aqui já fazem vinho? E bebe-se?
O senhor sorriu, compreendendo o desafio e disse-me:
- Sabe, tem toda a razão. As adegas cooperativas e os produtores grandes não sabem fazer vinho. Para se beber bom vinho tem de se ir a casa dos agricultores.
Daí a estarmos os dois a provar o fruto da sua vindima não tardou muito. O lavrador estava visivelmente satisfeito e espicaçava-me para dar uma opinião sobre o vinho. Eu tardava em dá-la, pensando no que dizer, ponderando o limite entre a simpatia, a verdade e a a educação. O vinho era intragável, mas o encanto do homem era genuíno.
Na velha Europa, onde ainda resistem propriedades de dimensão visível e as tradições perderam a memória, encontram-se incontáveis produtores dos melhores vinhos do mundo, sendo que alguns até o são.
Não se pode confundir o melhor vinho do mundo com o mais caro vinho do mundo, não são sinónimos. Aliás, constou-me, até, que a garrafa mais cara é imbebível, devido à sua antiguidade. Trata-se de uma botelha de Château Lafite de 1787, avaliada em quase 123 mil euros.
Porém, nos bebíveis praticam-se exorbitâncias impensáveis aos meus frágeis bolsos. Os preços não traduzem só qualidade. Traduzem-na, é certo, mas também raridade. Ora, a sociedade de consumo dita que onde há muita procura e pouca oferta os preços escalem. No entanto, preço não é critério de qualidade.
Contaram-me uma anedota, publicada já numa revista, que um grupo de amigos decidiu fazer um jantar vínico num restaurante caro, encarregando-se cada um de levar vinho. A refeição era simultaneamente um desafio com apostas, em que quem levasse o pior vinho teria de pagar o convívio a todos. O vinho seria servido sem qualquer referência para ser apreciado sem preconceitos, sendo o desafio moderado pelo escanção. Ora, nestes moldes, o desafio foi puxado para o alto. Contudo, na altura de revelar as classificações vínicas o jogador que apostou num Petrus não ganhou para o susto, vendo-o na penúltima posição, apesar de competir com vinhos de preços bem mais modestos.
Independentemente de ser verídica, esta estorieta é plausível e remete para a questão do gosto, da educação da boca e do nariz, mas alerta ainda para a necessidade de não uniformização dos critérios. Contava-me outro dia o empregado de mesa dum restaurante que uns clientes preferiram um vinho de gama média Regional Alentejano a um Barca Velha, que trocaram a meio da refeição. É legítimo e confirma a probabilidade da estorieta anterior.
Tenho andado a pensar neste tópico há já uns tempos e chego sempre à mesma conclusão: é absolutamente legítimo um qualquer produtor afirmar que o seu vinho é o melhor do mundo, desde que o diga com sentimento sincero.

6 comentários:

Luis Prata disse...

Boas João,

Gostei muito de ler este texto e concordo muito com as tuas palavras.

A meu ver, no fim tudo se resume a uma questão de gostos e comparações com os sabores que provamos e conhecemos. Uma coisa que me irrita são pessoas que dizem que só o que é caro é que é bom. Como sabes, isto não acontece apenas com o vinho, acontece com muitas mais coisas que podemos comprar.

O vinho sempre foi sinónimo de união de pessoas e eu acredito que isso é o mais importante, não é por um vinho custar 100€ que vai desenvolver uma melhor união.

1 Abraço

Administrador disse...

Caro João, obrigado pelo comentário e sugestão. Pelo menos o Porca de Murça não te causou espanto como no caso do Alandra Branco, lembra-se? Por 6 euros até que não está tão caro, considerando a importação e os pesados tributos brasileiros (maior carga tributária do universo conhecido). Quanto ao vinho verde, não conheço bons nomes por aqui. Vende-se muito o Casal Garcia, mas não sei se é uma boa escolha.
Abraço!

Administrador disse...

Por falar em vinho regional Alentejano, comprei anteontem um "Convento da Vila", pelo qual paguei 8,5 euros.
Minha mulher gostou do rótulo. Vamos gostar do líquido?
Abraço.

P.Rosendo disse...

Começo a pensar em exportar vinhos para o Brasil. Estão a pagar muito caro pelos vinhos Portugueses. O que não me espanta nada basta ver o valor de um Cartuxa no mercado brasileiro que chega a ser mais caro que o Barca Velha aqui.

João Barbosa disse...

Caro Vinho para Todos: Se vão gostar do líquido do Convento da Vila não sei. Confesso que esse vinho não me dá grande contentamento e que o evito.
Quanto ao valor pago tenho a dizer uma coisa: FOSTE ROUBADO!!!!

Ezequiel Coelho disse...

roubadissimo, sim!